terça-feira, 21 de junho de 2011

la littérature

"... o livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós"

(Franz Kafka)


Há muito tempo se discute a chegada de uma nova era, a era digital, tecnológica, avançada: esta era chegou, e com ela diversas novidades apareceram, com seus prós e contras. Dentre as questões surgidas, há pelo menos uma bastante polêmica: o fim do livro impresso. Com o conhecido e já relativamente bastante utilizado e-book – livros eletrônicos – vemo-nos na eminência de não mais manejar o bom e velho livro de papel.
Esta questão reuniu dois grandes estudiosos do assunto, numa discussão inteligente e animada, no recém lançado Não contem com o fim do livro (Rio de Janeiro, Record, 2010). Com efeito, Umberto Eco e Jean-Claude Carrière trazem ao leitor um mundo de conhecimentos sobre aquilo que para eles representa a própria existência: o livro. Mediada pelo jornalista e ensaísta Jean-Philippe de Tonnac, a conversa revela-se extremamente interessante e cheia de surpresas: de um lado Umberto Eco, escritor, filósofo, doutor honoris causa em diversas universidades do mundo, autor de vários romances, dentre eles o aclamado O nome da Rosa, sucesso de vendas e traduzido para mais de quarenta idiomas; de outro lado Jean-Claude Carrière, renomado roteirista, escritor, ator, diretor, tendo assinado roteiros de produções cinematográficas célebres, como Belle de Jour, dentre outras, além de inveterado bibliófilo.
A história e a memória do livro são arduamente defendidas pelos dois intelectuais, sendo que a sua invenção chega a ser comparada à invenção da roda: uma vez inventados, não há mais como reinventá-los, apenas aperfeiçoá-los. Na questão dos livros eletrônicos, Umberto Eco pergunta: “o livro irá desaparecer em virtude do surgimento da internet?”. E é ele mesmo que responde: “para ler, é preciso um suporte. Esse suporte não pode ser apenas um computador”. E ainda insiste: “Logo, se devo salvar alguma coisa que seja facilmente transportável e que deu provas de sua capacidade de resistir às vicissitudes do tempo, escolho o livro.”
A conversa entre Eco e Carrière passa por todos os caminhos e percalços sofridos por suas histórias de amor com o livro... e os declarados amantes de objeto questionam até mesmo a possibilidade de nossa memória chegar a ser uma prótese, chegando à conclusão: “depois de aprendermos tudo natural ou artificialmente nos restará o ato de aprender a aprender”. Hoje, com o poder da informação em nossas mãos, por meio de nossos computadores, devemos – em nossas pesquisas – saber filtrar cada informação, cada resultado obtido na internet, exercitando assim nosso senso crítico. Essa questão levantada na conversa levou Umberto Eco a refletir sobre a tecnologia, lamentando, em determinado momento, ter salvado um de seus conhecidos romances num disquete e tê-lo perdido. Assim, afirma: “se eu tivesse batido meu romance à máquina ele ainda estaria aqui”.
Ainda nesta questão, Carrière defende que “o que a internet nos fornece é na realidade uma informação bruta, sem nenhum discernimento, sem controle das fontes nem hierarquização”. Argumento, aliás, bem fundamentado, já que se antigamente fazíamos nossas pesquisas diretamente por meio do livro, hoje nos deparamos com a possibilidade de sermos enganados com tanta informação que nos é apresentada na internet. Isso requer certo cuidado do pesquisador, lembra o autor, mais uma vez clamando pela salvação do livro.
Na perspectiva defendida pelos debatedores, o livro não é apenas o objeto livro, mas algo que, ao contrário, apresenta diversas dimensões, sendo que cada leitura e cada leitor o modifica: seja ele curto ou extenso, conhecido ou não, o livro veio, foi perseguido, queimado, censurado, mas permaneceu. O livro de papel, aquele que começou com os grandes e pesados pergaminhos é hoje, graças a grandes escritores, motivo para viagens, leilões e até horas e horas dentro de uma livraria. Durante toda conversa, Umberto Eco e Jean-Claude Carrière falam do que foi e do que é o livro. Discutem o papel da leitura e a até a importância dos livros que não lemos! Um livro nos serve não apenas como um objeto de leitura, mas é também um objeto de conhecimento e até um grande companheiro, por meio do qual podemos dividir nossos desejos e anseios. E os autores vão além: afirmam ainda que uma biblioteca é também um grupo de indivíduos, de amigos, que nos fazem companhia, e nos protegem da ignorância.
O livro trouxe e sempre trará o saber: assim ocorreu com aqueles livros que foram censurados e queimados exatamente porque traziam conhecimento, e, como sabemos, conhecimento é poder.  Assim, como cada um de nós temos nossas experiências e nossas histórias, o livro também tem sua trajetória, o que é superiormente discutido pelos dois pensadores nessa obra. E vale aqui ainda a ressalva de Carrière: “você nunca sentirá frio no seio de sua biblioteca. Ei-lo protegido, em todo caso, contra os perigos gelado da ignorância.”
Pelo diálogo erudito e cheio de humor, vale à penar ler Não contem com o fim do livro... e, é claro, em prol da sobrevivência do livro!

ECO, Umberto & CARRIÈRE, Jean-Claude. Não contem com o fim do livro. Rio de Janeiro, Record, 2010.



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